domingo, 10 de fevereiro de 2008

TV digital coloca a propaganda em um dilema


Se o público pode customizar o que deseja ver na TV, possivelmente vai eliminar conteúdos publicitários. E o que faremos nós, publicitários? Criar um opt-in para a publicidade? Criar entretenimento?

Enfim, a TV digital entrou em funcionamento no Brasil, após muitas discussões sobre padrões e formatos.Todas as emissoras já adaptadas a este novo padrão de transmissão (e recepção) do sinal televisivo gabam-se, neste momento, de possuírem imagem e som com qualidade similar a de aparelhos de DVD, como se esta percepção fosse crucial ao estilo de vida de um consumidor médio.

Os primeiros aparelhos capazes de captar e reproduzir o sinal digital são vendidos a cifras consideráveis e um novo mercado tomou forma, o de conversores de sinais analógicos, para reduzir um pouco a crise existencial de quem acabou de comprar aquela TV de plasma com 52′’ que não processa o sinal digital.Prender-se unicamente à qualidade de transmissão é subvalorizar, contudo, a potencialidade de digitalização na transmissão da informação e, ao que parece, esta é a única possibilidade comunicada pelas grandes redes às massas.

Qualquer conteúdo que possa ser digitalizado é mais facilmente controlável, digo, está mais suscetível à manipulação, alteração e propagação. Desde o surgimento do MP3, a indústria fonográfica passa por uma crise, tentando criar mecanismos para impedir a propagação de softwares P2P e da livre distribuição de músicas pela rede. Não fazendo apologia a nenhuma prática, mas tendo um olhar isento sobre a situação, qualquer iniciativa no sentido de coibir tal prática será inútil. O conteúdo digital é composto de bytes, intangíveis e, portanto, não cerceáveis.

Não entrando no mérito da questão acima, a digitalização da transmissão televisiva nos oferece algo muito maior do que imagens mais nítidas - nos oferece a possibilidade de manipular, alterar e propagar seu conteúdo. Na prática, qualquer televisão poderia comportar-se, inicialmente, como uma TiVo, ou seja, seria possível gravar, pausar, acelerar, retroceder qualquer programa de televisão que estivesse sendo exibido. Em breve veremos televisores sendo vendidos “com HD de x Tbs”. A customização da grade televisiva também é possível a partir do momento em que cada programa não passa de 0s e 1s. O Joost já pensa nisso desde sua criação e, agora, seu conceito poderá ser levado às grandes redes de televisão.

A digitalização de conteúdo televisivo abre uma gama de possibilidades para distribuição e manipulação de conteúdo, algo próximo do que o surgimento do conceito de internet trouxe para o mundo da informática.
Consideremos que, num dado momento, os telespectadores deixarão de ser passivos com relação à programação que lhes é apresentada e passem a interagir com ela, num primeiro instante apenas customizando-a e determinando o que é ou não relevante. Por exemplo, poderíamos escolher não assistir programas de esporte ao meio-dia e, em seu lugar, exibir os episódios de Friends. Num segundo momento, parodiando o que se chama de “web 2.0” (que, como havia dito anteriormente, nada mais é do que efetivamente a aplicação do conceito de rede à internet), usuários poderiam montar seu próprio canal de TV e colaborarem com a programação das grandes redes.

Além de termos controle sobre o que nos está sendo exibido, pode-se também pensar na interação comercial entre espectador e programa. A princípio vamos pensar numa operação de e-commerce integrada à publicidade apresentada na TV: pausa-se o programa em exibição e, com o controle remoto, pode-se adquirir online o produto que está sendo apresentado em um anúncio (ou coloca-lo em sua lista de desejos, ou solicitar mais informações, ou navegar no website da empresa em uma tela PIP - Picture-in-picture); a compra de um determinado produto também pode ser feita em meio a uma programação comum: gostou do telefone que está sobre a mesa de centro durante a cena daquela novela? Clique e compre, depois volte a assistir o capítulo do dia.

Nada disto é oferecido pelas concessionárias de TV porque elas ainda não sabem como operacionalizar e aplicar este modelo de negócio a uma mídia que, há mais de 80 anos, desde o primeiro invento de John Logie Baird (e a transmissão de uma imagem do Gato Felix) está acostumada a tratar seus espectadores como seres passivos, cuja única interação, até então, era o clique do controle remoto para mudar de canal ou aumentar o volume.

Num âmbito onde o usuário decide o que quer assistir como a propaganda estará inserida?Além da customização da transmissão televisiva, à primeira vista, é de se supor que, havendo a possibilidade de eliminar qualquer conteúdo publicitário, ninguém (à exceção de publicitários) permitirá com que fossem exibidos filmes de produtos em sua programação. O que faremos então? Criar um opt-in para a publicidade? Ou seja, “quero assistir somente comerciais das seguintes empresas: x, y e z”, lá se vão os conceitos atuais de cobertura e freqüência em mídia; a cobertura será igual ao número de usuários que optaram por assistir à seu filme publicitário e a freqüência às vezes que ele decidiu assisti-lo (alguém assistiria a mesma comunicação publicitária mais de uma vez se não fosse forçado?).

Pode ser uma saída interessante mas, caso o opt-in fosse implementado em massa, como uma nova marca ou novo produto seria conhecido se não existem usuários que optaram por não conhecê-los e relacionarem-se apenas com aquelas empresas ou produtos que já estão familiarizados? Neste momento entra um discutível aspecto da propaganda como entretenimento e utilidade, a ser abordado em futuro artigo.Pense nas discussões e mudanças causadas pela digitalização de conteúdos em áudio (MP3, iPods e afins) e, a isto, potencialize o impacto na mídia que ainda é a mais consumida no mundo todo.

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